Título: No teu deserto
Autor: Miguel Sousa Tavares
Editora: Oficina do Livro
Nº de páginas: 125
Autor: Miguel Sousa Tavares
Editora: Oficina do Livro
Nº de páginas: 125
SINOPSE
No teu deserto
aparece no site da Wook como romance, o mesmo acontecendo no site da FNAC.
Segundo julgo saber, Miguel Sousa Tavares (MST) classifica-o como um “quase
romance”. Na minha opinião, no entanto, este livro consiste mais numa crónica
de viagem que MST fez pelo deserto do Sahara durante quarenta dias em 1987
acompanhado por Cláudia, quinze anos mais nova que MST nessa altura.
Passados 20 anos, MST escreve sobre essa viagem deixando-nos
perceber o que ele e Cláudia sentiram e como partilharam os múltiplos desafios,
obstáculos e peripécias próprios de um destino tão inóspito quanto um deserto
pode ser, e como isso os marcou indelevelmente.
AS MINHAS OBSERVAÇÕES
Li este livro pela primeira vez em 2009 logo após a sua
primeira edição pela Oficina do Livro. Recentemente, ao ler Não se encontra o que se procura, também
de MST e sobre o qual escrevi aqui, despertou em mim o desejo de reler No teu deserto. Penso que, por si só,
este já é um sinal muito positivo acerca do livro – quando sentimos vontade de
reler um livro é porque encontramos nesse livro algo que nos marcou e ao qual
precisamos voltar.
No teu deserto é
um livro de olhares – o olhar de MST sobre o que vê na viagem, o seu olhar
sobre Cláudia e o seu olhar sobre si mesmo. A dada altura encontramos estas
palavras «A terra pertence ao seu dono, mas a paisagem pertence a quem a sabe
olhar. E era assim connosco naqueles dias, também. Éramos donos do que víamos:
até onde o olhar alcançava, era tudo nosso.»
Penso que este livro será apreciado por quem gosta
particularmente de viajar, mas não só. De facto, encontramos algumas frases que
são uma delícia e que explicam o facto de ter relido este livro na tarde deste
domingo, 5 de março:
«A maior parte do
tempo, porém, o que nós partilhávamos era o silêncio. E isso eu aprendi
contigo, porque não sabia. Para mim, o silêncio era sinal de distância, de mal-estar,
de desentendimento. Ao princípio, quando ficávamos calados muito tempo, eu
sentia-me inquieta, desconfortável, e começava a falar só para afastar esse
anjo mau que estava a passar entre nós.
Um dia tu disseste-me:
- Cláudia, não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio.»
Um dia tu disseste-me:
- Cláudia, não precisas de falar só porque vamos calados. A coisa mais difícil e mais bonita de partilhar entre duas pessoas é o silêncio.»
«Escrever é usar as
palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não
te resta nada para dizer.»
«Tu falavas pouco e
essa era uma das coisas de que eu gostava em ti. Quando tudo era bonito de mais
ou duro de mais, tu ficavas calada a olhar silenciosamente. Falámos sobre isso
uma vez, e eu disse-te que a vida me tinha ensinado que fácil era o ruído, as
conversas sem sentido, a banalidade das palavras ditas sem necessidade alguma.
De nós os dois, tu eras, sem dúvida alguma, a mais calma, a mais feliz
tranquilamente. A mais atenta, a mais disponível para o vazio e o silêncio.»
«Às vezes, lá onde eu
moro, fico à noite a olhar as estrelas como as do deserto e oiço o tempo a
passar, mas não me angustia mais: eu sei que é justo e que tudo o resto é
falso.»
«Todos têm terror do
silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas,
mails e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como
amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar. Em vez
de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se
descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das
férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com
amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”,
disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha
vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo a seus pés, não aguentam
nem um dia de solidão.»