Porque corro?


As palavras deste texto não serão apenas sobre correr. Serão também sobre a condição que me assiste de ser portador de uma doença crónica, que é esclerose múltipla (EM).

Antes de prosseguir, deixem-me só referir que nunca tive qualquer constrangimento em reconhecer que tenho EM mas também nunca badalei aos sete ventos essa situação. Recato qb. No entanto, o meu percurso de vida nos últimos anos leva-me a ter o desejo de escrever este texto. Assim é, por várias razões. A principal delas é que tenho vindo a conhecer nestes últimos 11 anos outras pessoas com EM e penso, de uma maneira absolutamente despretensiosa, que o relato que aqui vou deixar os pode ajudar. A outra grande razão é que precisamos conhecer e saber de casos onde as coisas correm bem, quando antes não iam nada bem.

Para que saibam: a EM é uma doença crónica do sistema nervoso central. Como não tem cura, de cada vez que a pessoa é acometida por uma série de sintomas diz-se que tem um surto ou uma crise. Após o término do surto, os sintomas podem ou não desaparecer na totalidade.

Tive o primeiro surto de EM em 2003, passado 1 ano tive o 2º surto e o diagnóstico foi confirmado. Eu era portador de EM.

“Como é que encaraste a situação quando soubeste?” alguém um dia me perguntou. Encarei com naturalidade. Relativizei. Podia ser pior, pensei. Na verdade, sempre que penso nisso, digo para mim próprio que ter EM não é do pior pelo qual se pode passar. Penso que há muitas pessoas por este mundo fora em condições bem mais delicadas e complicadas do que a minha.

A partir de final de 2006 e início de 2007 a minha situação começou a complicar-se. Por essa altura tive um dos meus piores surtos em que fiquei com o corpo todo dormente, desde os pés à cabeça. Para além disso, o cansaço era imenso: levantar-me do sofá para a mesa da cozinha deixava-me cansado. Era como se me tivessem ligado a uma máquina que me sugava a energia do corpo. Felizmente, esse surto passou e os sintomas também. J

Os surtos continuaram – 3 a 4 por ano. Cada um diferente do outro. Normalmente, os surtos que eu tinha afetavam-me as pernas, mas para a coisa ter alguma variedade também tive 2 síndromes vertiginosos causados pela EM. É HOR-RI-VEL! Mais não digo, porque também já passou J

Também tive um surto que me afetou o nervo ótico no olho esquerdo e passei a ver muito mal desse olho. Era como se tivesse uma nuvem à frente que me bloqueasse 70% da visão com esse olho. Também isto passou e vejo bem. J

De referir que era acompanhado por uma neurologista do Hospital de Portimão – a Dra. Edmeia Monteiro – e tomava medicação, em forma de injeções, para a EM, cujo objetivo era travar a progressão da doença.

Em 2009 tive um surto que me afetou MUITO as pernas e o equilíbrio. Nessa altura quase deixei de andar. Cheguei a andar de canadianas ou com uma bengala. Numa deslocação ao hospital, desequilibrei-me e caí no chão.

Perante este quadro clínico algo complicado, nesse ano a Dra. Edmeia sugeriu-me um tratamento novo em Portugal que, no entender dela, poderia ter efeitos positivos na minha situação. No entanto, havia riscos – poderiam surgir complicações muito graves ao nível do sistema nervoso central (dispenso-vos dos pormenores técnicos J). Eu e a MJ decidimos avançar.

Comecei esse novo tratamento em 2009 e nunca mais tive um surto. A minha vida melhorou SIGNIFICATIVAMENTE. Faço uma vida perfeitamente normal. Isto permitiu-me concluir a licenciatura em gestão bancária, entre 2008 e 2012 e um ano depois concluí uma pós-graduaçao em Finanças Empresariais. Tudo isto, com mulher e 2 filhas para cuidar e educar. E trabalho, claro.

Agora, a corrida.

“Porque corro eu?” pergunto-me por vezes. Corro porque posso. Se não pudesse correr, iria caminhar. Se não pudesse caminhar, faria outra coisa qualquer. Mas posso correr. A quem tem EM, ou qualquer outra doença incapacitante (ou que pode vir a ser incapacitante), digo “veja a vida pelo lado positivo e faça o que a vida lhe permite”. A vida hoje permite-me correr. Nem sempre foi assim mas agora é. Por isso, vou correr.

À porta da minha casa, junto com os chapéus-de-chuva, está lá a bengala que já tive que usar e que me lembra quando estive quase sem andar. Portanto, como posso não correr?

Se parar é morrer e movimento é sinal de vida, então correr é sinal de uma vida plena!

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